Hoje há “medo” em disparar uma arma no combate ao crime. Porque o combate ao crime pode muito facilmente tornar-se na pratica de um crime.

Hugo Ernano é militar da GNR. A sua promoção, que devia acontecer em 2010 encontra-se pendente. Pendente será um termo demasiado ligeiro. Encontra-se suspensa, porque desde 2008, altura em que disparou contra uma viatura, com vidros pintados, onde no seu interior se encontrava um menor de idade, facto que o militar desconhecia. Dentro da carrinha encontravam-se ainda dois homems, um deles o pai da criança que tinha fugido da Estabelecimento Prisional de Alcoentre. A viatura estava a ser usada por um grupo de etnia cigana num assalto em Santo António do Tojal. Uma perseguição policial após o assalto ditou o a morte do menor, mas mais de meia década de batalhas legais.

 

O militar foi condenado inicialmente a nove anos, tendo depois a pena sido reduzida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Mas, na opinião das mais de 96 mil pessoas que assinaram a primeira petição, esta não é a verdadeira justiça.

 

Pode, um militar da GNR – ou da PSP – estar certo de que quando dispara uma arma para combater o crime, não será este mesmo militar “perseguido” judicialmente como um criminoso?

Nuno Guedes da Associação dos Profissionais da Guarda, afirma que “não tenho grandes duvidas em afirmar que existe imenso receio em utilizar, seja de que forma for, a arma de fogo“. No que toca à situação de Hugo Ernano, “a APG/GNR abordou publicamente este assunto, pois a pena aplicada pelo TRL [Tribunal da Relação de Lisboa] poderá abrir um precedente grave que poderá condicionar a actuação das forças de segurança quando era suposto que recorressem ao uso da arma de fogo“. “Face à criminalidade cada vez mais violenta, organizada e sofisticada, a Lei nº 457/99 que regulamenta a utilização das Armas de Fogo por parte das Forças de Segurança deve ser revista pois fica desenquadrada face à matéria de facto apresentada em sede de tribunal e face matéria crime aplicada. É pertinente que se coloque a questão acerca de que tipo de polícia se pretende para o país, se uma polícia operante no combate à criminalidade ou uma polícia frágil com receio de ser punida quando age legitimamente e de forma proporcional no exercício das suas funções. É que os cidadãos esperam dos Profissionais das forças de Segurança uma actuação segura, que os proteja dos criminosos”.

 

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A mesma opinião tem o advogado de defesa, Dr. Ricardo Serrano Vieira: “Confio na Justiça contudo esta é feita por homens” mas “no caso em apreço e salvo melhor opinião os caminhos jurídicos assumidos estão longe dos expectáveis pela sociedade civil revelando uma maior aproximação a uma cultura enraizada na magistratura portuguesa (judicial e do Ministério Pública) de repressão sobre os agentes de autoridade que têm a necessidade de utilizar a arma de fogo como última medida para repelir uma agressão ao agente e/ou a terceiros“.

Hugo Ernano contou ao Tugaleaks que este processo foi difícil. “senti que o mundo me tinha caído em cima. Pela primeira vez precisei de alguém para me segurar emocionalmente. A minha esposa foi sem dúvida um pilar que nunca deixou ruir o resto. Os meus camaradas bem como o cidadão comum nunca deixaram de me incentivar e tentaram ao máximo que nunca perdesse a esperança de que tudo ia e vai mudar“. “O mais difícil para este militar foi “acetar algo que revi todos os dias e sabia que nada mais poderia fazer, outra decisão da minha parte podia ter acontecido algo de muito pio”.

 

O caso de Hugo Ernano não é único. Recentemente um militar também da GNR foi condenado com pena suspensa de 18 meses por atingir um ocupante de um veículo em fuga e condenado ao pagamento de cerca de 83 mil euros. O caso remonta a 2009, altura em que o militar da GNR disparou sob um carro em fuga, por não ter carta de condução. Neste caso, a juíza indicou em tribunal de que “não pode aceitar que vale tudo“.

Assim parece que não vale tudo. Alias, não vale nada.