Parece um ato simples preencher uma declaração de IRS. No entanto há anos, desde a sua obrigatoriedade, que deficientes visuais não conseguem fazer este ato simples. Por culpa do Governo.
A culpa é a falta de acessibilidade do Portal das Finanças bem como outros sites do governo que não dispõem de acessibilidade web para que pessoas com necessidades especiais os consultem e utilizem. A acessibilidade significa tornar um website “legível” para diversos dispositivos e ferramentas de ajuda à navegação na Web, onde se incluem ampliadores de ecrã e leitores de ecrã no caso dos deficientes visuais.
Falámos com António Silva, um dos fundadores do Lerparaver um portal que há mais de 10 anos se foca na temática da deficiência visual e também criador do seu projeto com uma década sobre rádio, A Minha Rádio.
Quando o Tugaleaks lhe perguntou como preenchia a declaração, a resposta foi inevitavelmente dispendiosa: “O que faço é pagar a uma contabilista para me preencher a declaração. O mesmo acontece com a entrega do IVA, tendo essa dificuldade desde que passei a ser obrigado a entregar a declaração via Web. Todos os trimestres é uma luta, porque, tal como na declaração do IRS, a plataforma é totalmente inacessível.”
António Silva trabalha também com recibos verdes e o IVA tem que ser apresentado de três em três meses. Ou seja, este cidadão está perante uma despesa adicional uma vez que o Governo Português e os órgãos responsáveis pelas finanças não criaram condições de ele exercer uma actividade “obrigatória” sem recorrer a terceiros.
Sobre acessibilidade, António Silva ainda comenta:
“Na realidade, a “inteligência” dos leitores de ecrã tem possibilitado passar por cima de uma boa parte destas inacessibilidades, tornando estes sites, digamos, trabalháveis. Mas, e penso que este é também um ponto importante a considerar, para além dos problemas de acessibilidade, há a referir os problemas de usabilidade. Aí a situação é abaixo de zero. São confusos, estruturados de forma pouco intuitiva, com demasiado conteúdo e nem sempre com links explícitos…
Aqui não há inteligência artificial que resolva a pouca inteligência humana de quem constrói estas estruturas.”
Se formos olhar para a legislação que pode “obrigar” o Governo a fazer alterações nos seus website, encontramos suporte legal na lei 46/20006 de 28 de Agosto que claramente indica no artigo 4 como Prática Discriminatória “O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica”.
Se o Portal das Finanças não permite tratar da “economia”, do que se pode lá tratar?
Existem ainda pelo mesmo Decreto-lei vários exemplos de enquadramento desta situação.
No entanto, uma coisa é certa: em 2012 em plena era da informação, um cidadão e provavelmente muitos outros têm que recorrer e provavelmente pagar a terceiros para fazer algo que deviam conseguir fazer, discriminando-os pela sua deficiência e limitando a sua independência.
Pede-se justiça.