Relatório do CSM relata mais de uma década de falhas graves na atuação de juíza

Há perguntas que ninguém quer fazer mas todos pensam. Algumas delas são “quem controla quem decide”, “quem avalia aqueles que avaliam os outros” e “quem vigia os vigias”. E num país onde tantos cidadãos procuram saber como denunciar um juiz, até onde pode ir a imunidade informal que parece envolver certos magistrados? O Tugaleaks teve acesso exclusivo a um relatório do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que culmina na aposentação compulsiva de uma juíza cujo percurso disciplinar já vinha marcado por episódios graves. É um caso que, analisando à lupa, poderá até pecar por tardio, e obriga a rever estas perguntas.

Esta é a história de como apenas denunciar um juiz não foi suficiente para impedir dez anos de infrações.

O documento é claro, longo e devastador, e descreve um padrão comportamental que o próprio CSM classifica como grave, reiterado e prejudicial para o funcionamento da Justiça.

Falhas repetidas, atrasos injustificados e decisões sem base legal

A magistrada em causa acumulou infrações graves e muito graves ao longo de vários anos. Entre elas, destaca-se a recusa em tramitar um processo-crime urgente, mesmo após o Tribunal da Relação reafirmar a sua competência para o decidir, o que representa uma violação direta do dever de administrar justiça. O relatório descreve um despacho “manifestamente dilatório” em que, num processo de violência doméstica, a juíza decide convidar as partes a pronunciarem-se antes de aplicar medidas de coação, algo que não existe legalmente e que atrasou um procedimento urgente de proteção da vítima.

Em várias secções, o documento sublinha que a magistrada conhecia perfeitamente os prazos e obrigações legais, mas optava repetidamente por não cumprir.

As palavras do relatório que fazem jus ao termo “denunciar um juiz” falam por si: “O processo, apesar de urgente, esteve assim ‘parado’ desde 1.2.2023 (…) até 6.9.2023, data em que o juiz que tomou posse (…) e proferiu de imediato tal despacho.”

A gestão caótica de processos e o impacto no sistema judicial

Outro episódio emblemático surge quando a secção judicial solicita à juíza que proceda à introdução de dados no Citius relativos à nomeação de uma administradora judicial, um ato que só o magistrado pode praticar. A resposta da juíza resume-se a fórmulas vazias como “Leve-se em consideração” ou “Tomei conhecimento”, sem realizar o que lhe competia, levando a participações à Polícia Judiciária e provocando atrasos processuais significativos.

Quando pedia aos funcionários para fazerem coisas que não podiam, chegou mesmo a participar deles ao Conselho dos Oficiais de Justiça e até à Polícia Judiciária: “A partir desse momento e mesmo noutros processos, a Sra. Juíza continuou a ordenar & secção judicial que associasse os A.l. na plataforma Citius, e perante a impossibilidade dos srs. funcionários cumprirem o assim ordenado, do que sempre lhe davam conta no processo, passou a fazer participações dos mesmos ao Conselho dos Oficiais de Justiça e mesmo à Policia Judiciária”. Não há relatos dos oficiais de justiça fazerem o contrário, denunciar um juiz.

E mais, este padrão de omissão, que se repetiu em várias situações, contribuiu para o que o CSM descreve como “perturbação múltipla e reiterada do funcionamento do sistema judicial”, palavras que não são certamente leves.

Testemunhos inquietantes sobre urbanidade e conduta pessoal

O relatório reúne também testemunhos que revelam problemas de relacionamento e de urbanidade. Um escrivão refere que a juíza evitava contacto direto desde o primeiro dia, criando um ambiente de tensão permanente. Representantes da Ordem dos Advogados relataram episódios em que a magistrada elevava a voz durante diligências, dirigindo-se a beneficiários vulneráveis de forma considerada inadequada.

Uma Procuradora descreve ainda que a juíza teria afirmado a um cidadão: “Sabe quem eu sou? Sou Juiz de Direito e vai receber uma carta minha em casa com a sentença…”, num contexto interpretado como intimidador.

Em outros momentos, a juíza recolhia os seus objetos pessoais e deslocava-se ao átrio nos intervalos, evitando qualquer contacto com funcionários ou intervenientes processuais.

Um histórico disciplinar que não deixava margem para dúvidas

Mais grave ainda, como se não bastasse, é o modus operandi reiterado das infrações. O CSM recorda que a magistrada já tinha sido alvo de vários processos disciplinares anteriores, incluindo penas de multa e suspensão. Nada, segundo o relatório, indicava melhoria consistente. Pelo contrário, os comportamentos agravaram-se em quantidade e gravidade, culminando no episódio que o CSM identifica como a infração muito grave: a recusa continuada em decidir um processo urgente mesmo depois de ordem expressa de um tribunal superior.

Existiram “46 depósitos de sentenças atrasados, abrangendo um período que excedeu os cinco anos”, 22 em atraso para períodos superiores a 3 anos e 52 para um período de um ano.

A decisão final: a aposentação mais de dez anos depois

O historial disciplinar permite perceber porque é que o CSM conclui não haver alternativa à sanção aplicada. As infrações que fundamentam o processo atual prolongam-se pelo menos entre setembro de 2022 e novembro de 2024, mas o quadro é mais vasto: a magistrada já tinha sido alvo de advertência em 2014, suspensão disciplinar em 2021 e multa em 2022.

A magistrada violou de forma continuada os deveres de diligência, legalidade, urbanidade e cooperação. O grau de desconformidade com as normas judiciais é tanto que, perante as consequências para o funcionamento da Justiça, havia algo que tinha que ser feito.

Não havendo sinais de recuperação disciplinar, o Plenário aplicou a sanção mais pesada antes da demissão: a aposentação compulsiva.

O caso que expõe as fragilidades do sistema e a pergunta que ninguém quer enfrentar

Este caso, que certamente será referido por muitos cidadãos que procuram saber como denunciar um juiz ou compreender como funciona a disciplina na magistratura, expõe não apenas os comportamentos de uma juíza específica, mas também as fragilidades de um sistema que permitiu que estas situações se repetissem durante anos.

É um lembrete incómodo de que a Justiça só funciona quando quem exerce poder é também escrutinado. E se este relatório existe, é porque a pergunta continua pertinente: quem vigia aqueles que têm nas mãos o destino dos outros?

Porque, no fim, não se trata apenas de um caso disciplinar. Trata-se de perceber se alguém está realmente a vigiar os vigias.

Em 2024, dos 210 juízes, 2 deles tiveram avaliação medíocre e 7 deles suficientes. Existiram 23 juízes com bom e outros tantos com a avaliação bom com distinção. A esmagadora maioria teve a nota muito bom.

Como denunciar um juiz

Se depois de ler este texto, encontrou semelhanças com um processo onde esteja envolvido, existe forma de repor a sua justiça, pelo menos em teoria, o site do CSM tem uma lista de perguntas frequentes onde pode esclarecer algumas dúvidas, e pode depois enviar o seu e-mail para [email protected]. Mas denunciar um juiz não altera nada no seu processo. Se existe algo de errado no seu processo, é neste processo que deve agir para fazer valer os seus direitos, devido à separação de poderes de investigação e punição e o poder judicial.

Podes consultar o documento PDF com as 40 páginas abaixo:

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