Hoje vamos entrevistar Paulo Raposo. Foi uma das pessoas envolvidas na organização do Primavera Global PT, que sai às ruas dia 12 de Maio. O movimento repete-se por toda o mundo em mais de 250 cidades.

 

Entrevista a Paulo Raposo da Primavera Global

 

Paulo, dentro do possível, como te podemos conhecer. Quem é o Paulo e quais os seus valores?

Sou antropólogo, professor universitário numa universidade pública. Sou um cidadão comum preocupado com o mundo e o país em que vivemos. E muito apreensivo com a forma como, nacional e globalmente, se está a limitar o futuro das novas gerações e a degradar o presente das actuais. Tenho tentado pautar a minha vida, actividade profissional e actividade política por uma série de valores que julgo fundamentais: liberdade e justiça social, reflexividade e consciência crítica do mundo em que vivemos, partilha e criatividade. Nem sempre os tenho conseguido impôr a mim mesmo como desejava, mas faço disso a minha própria batalha e tento de alguma maneira plasmá-los na minha actividade cidadã e na minha acção política. Aliás tendo a não distinguir a minha acção pessoal da minha acção mais política e com o meu modo de estar na universidade.

 

O que é o movimento Primavera Global PT?

A Primavera Global PT é o resultado de um ano de iniciativas, protestos, debates, reuniões, assembleias, feito de convergências e fracturas, mas principalmente de maturação e crescimento que diversos movimentos, organizações e, sobretudo, pessoas têm vindo a criar sob um chapéu amplo que são os movimentos sociais em Portugal. Queremos de algum maneira, com esta Primavera Global em Portugal, manifestar a nossa indignação e insatisfação com a actual forma de (des)governação do país e do planeta mas principalmente começar a pensar e a propor alternativas e a demonstrar que a mudança é possível. A primavera global não é um movimento, não tem um manifesto em termos clássicos do activismo político, é antes um apelo à participação cidadã e um processo em construção de ideias para um mundo melhor – e necessáriamente para um país melhor.

 

Entrevista a Paulo Raposo da Primavera Global

 

De onde surgiu a ideia de criar o Primavera Global PT?

A Primavera Global nasceu de um apelo internacional que visa basicamente celebrar um ano de protestos internacionais – desde as Primaveras Árabes, ao epifenómeno do 12 de Março em Portugal, aos protestos dos chamados “Indignados” até aos protestos de Wall Street, entre tantos outros. 15 de Maio é uma data relevante neste processo porque foi justamente o início do movimento em Espanha – a famosa spanish revolution que se estendeu a muitos outros locais da Europa e depois do globo. Esse apelo tem recebido inúmeras adesões de diversos grupos e movimentos sociais, tal como já tinha acontecido na primeira data inernacionalmente celebrada (o 15 de Outubro passado) e sabemos que pelo mundo fora mais de 250 cidades em todo o mundo, neste momento em Portugal Évora, Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto e Braga e talvez Faro irão realizar inciativas ligadas à Primavera Global. No fundo trata-se também de perceber que não são apenas os problemas que são globais, são as mudanças que devem também de ser globais. E esta consciência global, esperamos, permite também agir localmente de uma forma mais articulada e mais consequente.

 

Foi fácil juntar as pessoas que vemos hoje e que tencionam aparecer dia 12, ou existiu uma certa “resistência” a este novo movimento?

Não se trata de nenhum movimento novo. como disse a Primavera Global é antes de mais um processo em aberto, em curso. E que certamente levará algum tempo a produzir efeitos, mas que tem vindo a ser iniciado de forma mais evidente desde 2011, como resposta da sociedade civil, das pessoas, ao modo como banqueiros e políticos nos pretenderam tornar a tod*s mercadorias descartáveis e como o abuso do planeta em que vivemos se tornou um acto banal e vulgarizado à mercê da lógica do lucro fácil, da expansão cega da sociedade de consumo e do insaciável combate dos senhores da guerra. E por isso todos aqueles e aquelas que não se revêem neste contexto geral de um sistema que tem mostrado não estar a produzir bem estar nem a preservar o comum, que se sintam motivados a pensar numa mudança não-violenta mas convicta, que se pautam por formas de inclusão e de não descriminação de qualquer tipo, têm vindo a abraçar o espírito da Primavera Global. Obviamente, as diferenças entre as pessoas, colectivos ou movimentos organizados são muitas, mas achamos que a nossa força está justamente na diversidade que nos faz mais fortes e mais inclusivos, e mais ricos na partilha de ideias e de propostas de mudança. Ao invés deste modelo social em que a exclusão, a precariedade, os sacrifícios e a pobreza se confinam apenas a uma parte da população, e a lógica de governação claramente é a da unicidade cada vez mais autoritária.

 

Achas que cada vez mais o cidadão comum está a “acordar” para um novo tipo de processo democrático ou mesmo para a simples manifestação dos seus direitos que antes não existia?

Absolutamente. A prova é que existem hoje uma série de propostas de mudança activa e de intervenção cívica que passam por iniciativas cidadãs (da dívida às SCUT’s, do SNS aos transportes) e iniciativas de autogestão de espaços devolutos como a Escola da Fontinha ou a casa de S. Lázaro, de empresas, de hortas urbanas, de iniciativas de transição e permacultura, ou de petições online e hacktivismo. O problema é que em paralelo com essa emergência de ação cívica não organizada em partidos ou em formas tradicionais de intervenção democrática no sistema representativo, surgem formas mais complexas de repressão e de cerceamento dos direitos e das liberdades cívicas de manifestação e de protesto. Como dizia, Boaventura Sousa Santos recentemente, o mundo está a tonar-se numa especie de totalitarismo Global, onde sob uma aparência de democracia política cresce um fascismo social.

 

Após a Primavera Global e o dia 15, o que é que achas que vai haver em Portugal?

A primavera Global poderá ser apenas uma forma de dar força e articular em rede uma série de agentes, iniciativas, pessoas, movimentos que de forma dispersa e por vezes até conflituosa reclamam por mais democracia e liberdade, por direitos e justiça social, por sustentabilidade e solidariedade para com as populações e para com o planeta. Poderá ser um amplo movimento de crescimento, conhecimento mútuo e diálogo entre movimentos e plataformas cívicas – não excluindo os partidos e os sindicatos, mas não se subordinando às suas agendas próprias e às suas lutas parcelares – que poderá trazer para a ribalta política aquilo que efectivamente faz falta em Portugal: um movimento social efectivo. Se isso for cumprido, será já um belíssimo resultado. Por outro lado, esta é uma altura crucial para a divulgação de alternativas e de propostas de mudança efectiva dos sistemas sociais e do capitalismo financeiro neo-liberal em falência total; propostas e projectos que já estão em curso e que muitos cidadãos e cidadãs não conhecem, nunca viram ou ouviram porque os média mainstream de um modo geral não fazem deles cobertura ou fazem-no como meros exotismos ou vanguardismos solitários e de alvcance muito limitado. A primavera Global servirá talvez para dar visibilidade a tudo isso. A um mundo possível que está aser construído por gerações a quem lhes querem retirar o futuro.

 

 Entrevista a Paulo Raposo da Primavera Global

 

Se tivesses que apontar um dedo apenas, a quem é que apontarias a culpa em que o nosso país está?

Faltariam-me dedos para ser justo e rigoroso e não gosto de apontar dedos porque entendo que a política deve ser construtiva e não apenas destruidora. Mas neste momento obviamente que existe uma consonância geral no entendimento de que em Portugal e no mundo, banqueiros sem escrúpulos, agentes financeiros selvagens e políticos que lhes dão cobertura são os protagonistas da crise mundial presente. E deveriam ser afastados da gestão da coisa pública e do comum.

 

Sabemos que toda a equipa de organização tem tido bastante trabalho. Para quem ainda não se decidiu ou está pela primeira vez a entrar neste “mundo”, que palavras e conselhos podes dar para os incentivar a participar nas ações a começar no próximo sábado?

As dificuldades de organização dos movimentos sociais passam basicamente por serem estruturas voluntárias e que dependem do esforço de cada um. Não somos movimentos financiados, nem queremos, somos movimentos de pessoas que dão parte do seu tempo à actividade política e cívica. E isso implica entregas pessoais e colectivas muito intensas por vezes. O que temos feito ºé unir esforços entre diversos grupos, colectivos, movimentos mais organizados e pessoas que livre e espontaneamente têm dado uma mão na construção da Primavera global. Não tem sido fácil, fazemos tudo autogestionado, de forma debatida e respeitando os tempos de decisão e de busca de consensos o mais alargado possíveis. Mas obviamente há uma estrutura mais fixa de organização que vai tentando divulgar, disseminar e partilhar informação. essa é a grande arma dos movimentos sociais, a rede e o trabalho em rede. estamos ainda a dar os primeiros passos, alguns de nós passos até titubeantes e em falso, mas vamos caminhando. A Primavera Global conseguiu desta forma, horizontal e sem fundos, apenas com as capacidades e as vontades de cada um, organizar mais de 50 actividades (entre debates, oficinas, eventos informativos, concertos, actividades para crianças, etc.,.) em Lisboa nos dias 12 a 15 de Maio. Não se trata apenas de uma manifestação, de mais uma… mas de um espaço de debate e encontro absolutamente novo. Um fórum social e político realizado em espaço público, aberto ao cidadão e portanto todos e todas que queiram dar o seu contributo são bem-vindos. O que custa é dar o primeiro passo…sair de casa, sair da zona de conforto (ou desconforto) e assumir pelas suas próprias mãos as decisões sobre o nosso futuro. Se alguma pessoa estiver disponível para participar na diversidade de ideias que ali serão discutidas e confrontadas saberá que entre 12 e 15 de Maio existirá na cidade um espaço para isso. um espaço de liberdade e de criatividade que pretende pensar a mudança e o futuro. O que estamos a tentar reclamar e difundir é que a primavera Global quer usar a mudança como verbo e as pessoas como sujeitos. Depende de cada um decidir se quer ficar à espera dos resultados no sofá ou se quer tomar o futuro nas mãos.

 

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