Os presumíveis autores do atentado de Camarate insistem que, por razões de segurança, querem falar à porta aberta. Mas, o Parlamento decidiu de forma contrária

Por: Frederico Duarte Carvalho, jornalista e escritor (blogfacebook)

A Assembleia da República, através da Xª Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, começou agora a ouvir os presumíveis operacionais do atentado que, a 4 de Dezembro de 1980, vitimou o primeiro-ministro Sá Carneiro e ministro da Defesa, Amaro da Costa, e demais ocupantes do avião Cessna que caiu nos arredores do aeroporto de Lisboa devido à explosão de uma bomba – factos dados como provados na conclusão dos trabalhos da VIII comissão, em 2004.

 

Camarate à porta fechada

 

O primeiro dos presumíveis operacionais, Fernando Farinha Simões, foi ouvido pelos deputados da Xª comissão na terça-feira, 7 de Maio. Farinha Simões encontra-se detido em Vale de Judeus no âmbito do processo que envolveu a falecida jornalista Margarida Marante. Ele é o autor de uma carta publicada no YouTube, no ano passado, onde contou como foi planeado o atentado de Camarate, tendo atribuído a autoria do plano a um americano chamado Frank Sturgis, pessoa com ligações aos serviços secretos dos EUA, CIA, e ainda um dos assaltantes do edifício Watergate.

A audição de Farinha Simões, no entanto, foi escassa na produção de novas informações. Tal deveu-se ao facto de se ter recusado a prestar declarações devido ao facto da sua audição ter decorrido à porta fechada. Isto era contrário ao seu desejo de testemunha que, por razões de segurança, exige a exposição pública dos motivos e passos dados durante o ano de 1980. Farinha Simões nunca teve direito a um julgamento sobre Camarate, tendo o caso sido já dado como extinto para a Justiça. Por isso, considera, só a exposição pública lhe poderá garantir segurança no futuro.

Hoje, dia 9, está prevista a audição, ao fim da tarde, de uma outra testemunha, Carlos Miranda. Esta testemunha está prevista para falar igualmente à porta fechada sobre os acontecimentos de 1980. Espera-se depois que, em breve, também José Esteves, o alegado autor de um engenho incendiário destinado a ser usado no avião de Sá Carneiro, vá testemunhar na comissão.

Em carta enviada ontem para os deputados da Xª comissão e que o Tugaleaks teve acesso, José Esteves afirma que, tal como Fernando Farinha Simões, não aceita prestar declarações à porta fechada.

 

Conteúdo integral da carta de José Esteves

Caros senhor presidente e deputados da Xª Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate,

Tendo tido conhecimento pela Comunicação Social de que a audição de ontem a Fernando Farinha Simões decorreu à porta fechada e que o mesmo está ainda previsto para futuras audições onde o meu nome está incluído, quero informar os senhores deputados que se pretenderem ouvir-me à porta fechada, declaro desde já que só irei comparecer na dita comissão se for mesmo obrigado a tal e, mesmo assim, não irei prestar declarações.

Esta situação vai contra o meu desejo de ser ouvido à porta aberta, pois aquilo que eu tenho para declarar necessita do máximo de exposição pública para garantir a minha segurança.

Não confio nos juizes, polícias e políticos que andaram mais de 30 anos a esconder a verdade sobre Camarate, por isso preciso da protecção daqueles que ainda me podem proteger e para os quais estou a contar aquilo que sei sobre a morte do primeiro-ministro Sá Carneiro e ministro da Defesa, Amaro da Costa. Ou seja, o povo português.

Eu não quero ter qualquer protagonismo público à custa de Camarate, pois há muito que não necessito de exposição pública, sobretudo desde a altura em que fui segurança do líder do CDS, Freitas do Amaral.

Se os senhor deputados estão também a trabalhar para o povo, então não devem ter receio em ouvir-me à porta aberta.

Com os melhores cumprimentos

José Esteves

 

A proposta de fazer sessões à porta fechada partiu dos deputados do CDS-PP, liderados na comissão pelo deputado José Ribeiro e Castro, antigo director de Informação da TVI e que, nessa condição, contactou de perto com Fernando Farinha Simões, sendo que também chegou a conhecer José Esteves quando, em 1974, este último era segurança e motorista do líder do CDS, Freitas do Amaral.

 

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As audiências de 1995, ao contrário das actuais, atraíram a atenção da maioria da Comunicação Social 

 

Segundo o CDS, a decisão de fechar as portas do parlamento a estas testemunhas cruciais, não respeitando o desejo das testemunhas, deve-se ao facto de assim poder ser garantido a “fidedignidade dos testemunhos”. Ou seja, “longe das câmaras de televisão e da observação jornalística imediata e do protagonismo mediático que sempre são de molde a aumentar os fatores de distração e de desvio da objetividade necessária”.

A decisão do CDS teve o apoio dos deputados do PSD e PS. O deputado do PCP, Jorge Machado, por sua vez, foi um dos que contestou esta medida. De acordo com declarações do deputado comunista ao Tugaleaks, o requerimento do CDS não evoca “nenhuma das razões que permite que a audição seja à porta fechada”. E acrescenta: “O requerimento utilizou outros argumentos que na nossa opinião não procedem”. Jorge Machado defende ainda “que a vontade dos depoentes devia ter sido tida em conta”.