José Esteves, o suposto autor da bomba de Camarate, escreveu ao embaixador dos EUA em Lisboa a perguntar o que a CIA sabe sobre si e o atentado contra Sá Carneiro
Num e-mail enviado a 21 deste mês para a embaixada dos EUA em Lisboa, tendo o próprio embaixador como destinatário, José Esteves, o suposto autor da bomba de Camarate que, a 4 de Dezembro de 1980, provocou a morte ao primeiro-ministro português Sá Carneiro e ministro da Defesa, Amaro da Costa, pede que os serviços diplomáticos americanos esclareçam se ele teve ou não qualquer envolvimento com os serviços secretos americanos, CIA. O português questionou ainda a embaixada dos EUA sobre o que tem a dizer a respeito dos recentes trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito de Camarate eque apontam para o envolvimento de americanos na morte dos governantes portugueses.
Jardim da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa
Este e-mail surgiu na sequência da notícia do Tugaleaks referente à resposta dúbia que a CIA deu a um pedido de informações do escritor e activista americano AJ Weberman a respeito de José Esteves e também de Fernando Farinha Simões.Este último foi a pessoa que, alegadamente, teria servido de intermediário entre José Esteves e Frank Sturgis, um americano envolvido no assalto ao edifício Watergate, em 1972, e que teria sido o coordenador do atentado de Camarate.
José Esteves explicou ao embaixador dos EUA que foi comandante da FNLA, o movimento independentista angolano liderado por Holden Roberto e que é hoje reconhecido publicamente como tendo sido apoiado pela CIA antes e depois da Guerra Colonial. Também perguntou se Frank Sturgis tinha ou não laços com a CIA.
O mesmo José Esteves foi ainda esta terça-feira prestar novas declarações na comissão da Assembleia da República, onde foi acareado com Carlos Miranda, uma testemunha das movimentações de Esteves e Farinha Simões nos dias anteriores a Camarate. Dessa acareação resultou a confirmação de que José Esteves vivia no Cacém na altura do atentado contra Sá Carneiro, facto que os investigadores da Polícia Judiciária sempre desmentiram ao longo dos anos da investigação. Nessa sua deslocação, José Esteves ainda comunicou aos deputados o e-mail que enviou para a embaixada dos EUA e aconselhou a Comissão de Camarate a fazer o mesmo: “Os americanos têm de dizer o que sabem sobre a morte de Sá Carneiro”, afirmou depois José Esteves ao Tugaleaks.
Excmº Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa,
Chamo-me José António dos Santos Esteves, cidadão português nascido em Angola em 14 de Maio de 1953.
Fui comandante da FNLA de Holden Roberto, em Angola, ao qual estive ligado com o coronel Santos e Castro, que sei que constam dos ficheiros da CIA.
Entretanto, apareceu uma carta com papel timbrado da CIA em tugaleaks.com – https://tugaleaks.com/camarate-cia-documentos.html – a referir-se ao meu nome, dizendo que a CIA não confirma nem desmente a existência ou não-existência de documentos relacionados com o meu nome.
Ora, sabendo eu que trabalhei com pessoas ligadas à CIA, venho por este meio solicitar à embaixada que esclareça junto da CIA se tem ou não informações sobre mim. Sei que existe a possibilidade de pedir um Freedom of Information Act (FOIA), mas não desejo utilizar esse meio oficial, pois esse já foi pedido um em meu nome e nada esclareceu.
Penso que a embaixada deverá estar atenta à recente investigação no Parlamento português sobre o atentado de Camarate, que tirou a vida a primeiro-ministro Sá Carneiro e ministro da Defesa, Amaro da Costa.
Eu e Fernando Farinha Simões fomos contactados na altura por um cidadão norte-americano chamado Frank Sturgis, que coordenou o atentado. Não sei se ele estava então a trabalhar para a CIA e gostaria de esclarecer isso
Em 2002, converti-me ao islamismo, onde fiquei com o nome Youssouf bin Salim, pelo que tenho ainda a dúvida se ainda posso viajar em breve aos EUA, onde teria todo o prazer de esclarecer o assunto.
Com os melhores cumprimentos
José Esteves
Cartão de José Esteves como membro da FNLA,
a organização independentista angolana apoiada pela CIA
Frederico Duarte Carvalho, jornalista e escritor (blog – facebook)